Entrevista | Fernando Leote, Buttler / House Manager / Chef, da Wadwick House, em Inglaterra.

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Entrevista realizada por Cocktails & Mistura Fina / Francisco Guerreiro

Introdução

Há regressos que não acontecem por acaso. Acontecem porque a paixão nunca se perdeu — apenas ficou em pausa.

Fernando Leote é um nome que atravessa décadas da mixologia portuguesa e internacional. Depois de 17 anos afastado das competições associativas, regressou com a mesma intensidade, rigor técnico e espírito inovador que sempre o definiram. Entre prémios, sacrifícios pessoais, desafios e reflexão, o seu percurso recente culmina no Campeonato Mundial da IBA — WCC 2025, na Colômbia.

Nesta entrevista exclusiva para o Cocktails & Mistura Fina, Fernando Leote fala sem filtros: do regresso às competições, da preparação extrema, dos bastidores do Mundial, das regras, dos erros humanos, das emoções e, acima de tudo, do amor incondicional pela mixologia.

“Paixão, Competição e Legado na Mixologia”

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, qual o teu local de trabalho?

Fernando Leote — O meu local de trabalho é na Wadwick House, em Inglaterra, conhecido como o nosso Monte, para uma família privada conhecida por Allsopp, ligada também ao ramo de bebidas mais concretamente cerveja Lager e Pale Ale.

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, qual a função que desempenhas?

Fernando Leote —Desempenho várias funções tais como, Buttler / House Manager / Chef.

“O Regresso às Competições”

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, em boa hora decidiste voltar a participar em concursos de cocktails?

Fernando Leote — Estive afastado das competições associativas durante 17 anos, essencialmente por motivos profissionais. A exceção foi uma participação numa competição de Mixologia Avançada, no Mítico Bar, em Lagos.

Foi uma verdadeira viagem-relâmpago: vim de Inglaterra, onde trabalho, com uma enorme vontade de participar. Cheguei, concorri e, já a fazer o check-in no aeroporto de Faro, soube que tinha ficado em 1.º lugar e conquistado o prémio de Melhor Técnica.

“Costume dizer que quando se gosta verdadeiramente do que se faz, tudo se torna mais fácil e os resultados acabam por aparecer.”

“Família, Memória e Associações”

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, o que te levou a tomar essa decisão?

Fernando Leote — Um dos grandes “culpados” do meu regresso foi o meu irmão, António Leote. Depois de muitas conversas e recordações do final dos anos 80 e de toda a década de 90 — quando era conhecido como o “Papa Taças” — começou a insistir que devia tentar novamente.

Entre 2017 e 2018 falámos muito sobre internet, redes sociais e a importância destas plataformas na divulgação da profissão. Na altura, tanto o Sr. Joaquim Lopes, então presidente da ABP (Associação Barmen de Portugal), como o Sr. Miguel Barbosa (Mike), da ABA (Associação Barmen do Algarve), incentivaram-me fortemente a regressar.

Só não aconteceu de imediato porque fui alvo de várias cirurgias. Quando finalmente regressei, já o presidente da ABA era o Sr. João José.

“Recomeçar em Plena Pandemia”

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, quando regressaste às competições?

Fernando Leote — Regressei às competições nos Regionais de 2020, precisamente quando começou a pandemia. Não correu da melhor forma, mas ainda assim participei no Concurso Nacional, realizado na Madeira, onde alcancei o 9.º lugar. Foi um verdadeiro recomeço.

No ano seguinte fiz uma pausa por motivos profissionais. Quando voltei, regressei mais forte, com inovação — algo que sempre me caracterizou.

“A Consolidação dos Resultados”

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, sempre foste determinado, criativo, dedicado, inovador, de elevado profissionalismo, e, assim os resultados começaram a aparecer?

Fernando Leote — Vieram então as vitórias e os reconhecimentos: concursos regionais ganhos, prémios de Melhor Decoração, um 2.º lugar no Concurso Nacional do Estoril e uma sequência de participações que reforçaram a minha posição competitiva.

O objetivo estava claro: voltar a representar Portugal ao mais alto nível.

A Meta: Voltar ao Mundial

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, como classificas o ano de 2025, em termos da tua participação em concursos?

Fernando Leote —  O ano de 2025 foi de muito trabalho, estudo e dedicação. Ganhei o Concurso Regional e, mais tarde, o Concurso Nacional no Estoril, conquistando também o prémio de Melhor Decoração.

Este resultado permitiu-me participar no meu 3.º Campeonato Mundial (WCC) como concorrente, depois de já ter estado presente em dois como convidado.

“Era a minha meta voltar a representar Portugal num Mundial.”

A Preparação para o WCC 2025

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, como foi feita a tua preparação para participares no WCC 2025, na Colômbia?

Fernando Leote — Foram meses e meses de preparação intensa. Estudei exaustivamente todo o manual da IBA — ao ponto de ir para a cama com auriculares a ouvir a sua leitura.

Treinei diariamente: fazia cinco a seis decorações completas por sessão para melhorar tempos, adaptei ferramentas, recriei cortantes e preparei-me para todos os cenários possíveis. Procurei ainda arranjar todos os tipos de copos da RCR que me poderiam calhar na prova.

No dia da partida, tive de levar uma mala extra apenas para os produtos: nabos, watermelon radish, beterraba, cenouras, rama de palma, gengibre, laranjas, limas e o meu homemade. Tudo chegou em perfeitas condições.

Cocktails & Mistura Fina – Como foi a chegada a Londres?

Fernando Leote – A chegada ao aeroporto de London Heathrow foi um excelente começo. Fiz todo o percurso de ida e volta com o meu grande amigo M. Moreni — uma amizade para a vida. Foi ele, inclusive, quem me levou a bandeja até ao palco, um gesto que nunca esquecerei.

Bastidores do Mundial

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, como foi a tua chegada á Colômbia? Qual a primeira impressão?

Fernando Leote — Cheguei um dia mais cedo à Colômbia para conhecer o terreno, os mercados e o ambiente, sabendo que haveria prova de mercado. O espírito entre os concorrentes foi de grande camaradagem.

Cocktails & Mistura Fina – À medida que os concorrentes iam chegando, o ambiente começou a mudar?

Fernando Leote – Sim, claramente. Assim como eu, outros tiveram exatamente a mesma ideia de chegar mais cedo. A partir daí instalou-se um espírito de verdadeira camaradagem e uma partilha constante.

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, na Colômbia tiveste um apoio incondicional o qual gostarias de salientar…

Fernando Leote — Aqui deixo um enorme agradecimento ao Mike, ao nosso presidente Fernando Brito e ao meu colega de quarto, Gulle Gomez, que estiveram sempre atentos e a apoiar-me.

Os dias não foram fáceis: atrasos, trocas de horários e, por fim, o concurso acabou por ser adiado um dia por razões logísticas.

“Regras, BUZZERS e o Choque com um Novo Modelo”

Cocktails & Mistura Fina – Os dias que antecederam a prova foram tranquilos?

Fernando Leote – Nada fáceis. Havia sempre algo para fazer, ajustes de última hora, trocas de horários e atrasos. O concurso acabou mesmo por ser adiado um dia por questões logísticas. Quando chegou finalmente o dia da prova, estava tudo preparado. Lá fui eu, com as minhas caixas, totalmente concentrado, com todo o esquema bem definido na cabeça… mas ao chegar ao local, tudo mudou de um dia para o outro.

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, qual a tua opinião acerca da organização do Campeonato Mundial da IBA — WCC 2025, na Colômbia?

Fernando Leote — À chegada ao local da prova, as regras mudaram significativamente. Não se podiam usar pours, não se podiam mostrar garrafas à assistência nem aos júris, estas tinham de estar sempre tapadas e tudo passou a funcionar com BUZZERS.

Além disso, tínhamos de trabalhar com a garrafa de lado, vertendo o líquido enquanto a girávamos, com o rótulo sempre virado para a frente. E depois surgiu uma das grandes novidades.

O sistema retirou elegância à competição. Sou a favor de inovação, mas com classe. Aquilo parecia mais uma luta de boxe do que uma prova de mixologia.

A organização esteve bem, embora tenha ouvido dizer que a da Madeira foi ainda melhor — e isto não é puxar a sardinha para o lado português, até porque não estive na Madeira.

Cocktails & Mistura Fina – Como funcionava exatamente a dinâmica WCC 2025, na Colômbia?

Fernando Leote – Assim que entrávamos, íamos para o backstage, onde recebíamos o homemade que tínhamos entregue 24 horas antes. Depois davam-nos os copos, colávamos o nosso sticker com o número e fazíamos os sumos que iríamos utilizar, organizando todos os utensílios na bandeja. A partir do momento em que saíamos dali, só regressávamos após o término da prova.

Seguíamos depois para a mesa das decorações. Foi aqui que surgiram alguns contratempos — visíveis no vídeo. Deram-me um espaço e, a meio do tempo, reduziram-no e deslocaram os meus materiais sem a minha autorização. Confesso que foi quase a gota de água. Pensei seriamente em parar e protestar para me devolverem o tempo a que tinha direito, sem interferências. Não o fiz. Após 15 minutos, já não se podia tocar em mais nada. Seguimos então para outra mesa antes de entrar em cena.

Cocktails & Mistura Fina – O que acontecia em palco?

Fernando Leote – Ao entrar em palco, colocávamos a bandeja na mesa e afastávamo-nos sem poder tocar em absolutamente nada. A partir daí começavam a contar 10 minutos.

Recebíamos o microfone e cada concorrente tinha exatamente 1 minuto para o speech de apresentação: quem somos, o cocktail, a inspiração do nome, a composição e a mensagem que queríamos passar com aquela receita. Tínhamos de terminar entre os 56 e os 60 segundos. Depois afastávamo-nos novamente.

Quando soava o BUZZER, avançávamos para os 2 minutos de mise-en-place. Terminando, recuávamos outra vez até ouvir novo BUZZER — aí sim, começava a execução do cocktail.

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, foste vitima de alguns percalços ainda antes de entrar em prova?

Fernando Leote — Houve também contratempos na mesa das decorações, com redução de espaço e deslocação de materiais sem autorização. Pensei em protestar, mas mantive a cabeça erguida.

 “Sou humano. Também erro. Não arranjo desculpas.”

O Momento em Palco

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, qual o momento que mais te marcou durante o concurso?

Fernando Leote — Depois do speech de apresentação, do mise-en-place e da execução sem qualquer indicação de tempo, aconteceu algo que nunca me tinha acontecido: bloqueei completamente no final.

Uso dedeiras desde 1996, quando subi ao pódio em Tóquio, e naquele momento falhei. Daí os resultados não me satisfazerem — e compreendo quem se tenha sentido desiludido.

 “I did my best, but my best wasn’t enough.”

Cocktails & Mistura Fina – Apesar disso, houve momentos positivos?

Fernando Leote – Sem dúvida. Foi excelente reencontrar colegas que não via desde 1993, 1996 e, salvo erro, 2001, em Singapura, onde obtive um ótimo 4.º lugar. Naquela altura competíamos todos contra todos, nas categorias Before Dinner, After Dinner e Long Drink.

Hoje há muito mais categorias: Oriental Fusion, Coffee Cocktail, entre outras. O Mundial passou a ser anual e as regras mudaram bastante. Por exemplo, não é permitido apresentar algo como um Negroni, porque só se pode usar até 1 cl de Vermute Rosso — considerado um produto doce, tal como muitos outros ingredientes.

Cocktails & Mistura Fina – Fala-nos do teu cocktail.

Fernando Leote – O meu cocktail é um bom cocktail. O que procurei criar foi algo Spicy, Sour, Dry and Bitter, com uma cor linda e um topo espumoso branco.

Chamei-lhe CATTLEYA, a flor nacional da Colômbia desde 1936, nome atribuído pelo botânico Emilio. Foi também a inspiração para a decoração e o garnish: um palito metálico com uma Cattleya e todos os restantes elementos dentro desse mesmo conceito de beleza e harmonia.

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, apresenta-nos o cocktail que criaste para o Campeonato Mundial da IBA — WCC 2025, na Colômbia.

Fernando Leote — o cocktail que apresentei no WCC 2025, na Colômbia foi o CATTLEYA.

CATTLEYA — Receita Oficial WCC 2025

Inspirado na flor nacional da Colômbia, criei um cocktail com perfil Spicy, Sour, Dry & Bitter, uma cor elegante e um topo espumoso branco.

Receita:

• 4 cl Appleton Rum
• 1 cl Cinzano Extra Dry
• 2 cl Aperol
• 1,5 cl sumo fresco de lima
• 1,5cl.homemade
  (redução de sumo de laranja com gengibre fresco, sal e produtos de foam — apenas 4 ingredientes permitidos)
• Finalizado com aromatizante de laranja

Pode ser feito em casa. É super bom.

Cocktails & Mistura Fina – Que balanço fazes desta experiência?

Fernando Leote – Foi, acima de tudo, uma aprendizagem contínua. Absorver o máximo possível, conhecer novas tendências e conviver com colegas que, por vezes, só vemos uma vez na vida. Criam-se amizades e contactos que ficam.

Uma coisa posso dizer: para mim, o melhor Mundial continua a ser o Japão 1996… mesmo com muitas latas de conserva comidas no quarto, em convívio com a nossa comitiva.

“O Desfecho e a Reflexão”

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, o que oferece dizer á família barmen portuguesa e, aos seguidores do Cocktails & Mistura Fina?

Fernando Leote — Peço desculpa, não foi isto para o qual tanto me empenhei. Ainda assim, estarei sempre aqui para ajudar outros a seguirem os seus sonhos, seja com apoio direto ou através de aulas online.

Cocktails & Mistura Fina — Fernando, ao longo dos últimos anos tens tido um excelente desempenho e obtido honrosas classificações. Faz-nos uma breve resenha dos prémios conseguidos?

“A mixologia é o meu oxigénio.”

Fernando Leote — Francisco, aqui ficam os resultados obtidos…

Resultados | 2020–2025

• 2020 — Wild Card para o Nacional
• 2021 — 9.º lugar no Nacional (Madeira)
• 2022 — Não competi
• 2023 — 1.º lugar Regional | Melhor Decoração | 1.º lugar Internacional
• 2023 — 3.º lugar Europeu (Albânia)
• 2023 — 2.º Melhor Cocktail Pan-American | 7.º lugar
• 2024 — 1.º lugar Regional | Melhor Decoração
• 2025 — 1.º lugar Regional | Melhor Decoração
• 2025 — 1.º lugar Nacional | Melhor Decoração
  National Champion — IBA WCC Colômbia 2025.

Encerramento Editorial

Nem todas as histórias terminam com um troféu levantado no ar. Algumas terminam com verdade, caráter e legado.

Fernando Leote mostrou que a grandeza também está na forma como se perde, se reflete e se continua. Esta entrevista fica como documento, testemunho e homenagem a quem nunca deixou de honrar a profissão e a arte da mixologia.

Cocktails & Mistura Fina